A Questão Ambiental Será Mina de Ouro ao Agro

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

Nosso resumo mensal trás os eventos principais de junho e o que observar em julho. Começando pela economia mundial, seguimos com o grave quadro trazido pelos impactos do isolamento social requerido no combate ao coronavírus. Observa-se retração grande e ainda muita dificuldade de análise do que será este segundo semestre. Tensões entre EUA e China continuam em diversos tópicos, e isso cria mais incertezas.

Além do impacto econômico, temos problemas advindos das interrupções de cadeias produtivas. Os Estados Unidos passaram pela maior inflação dos alimentos das últimas décadas, chegou a 2,6% apenas em abril. Comparando-se 13 semanas entre março e maio deste ano com o mesmo período de 2019, de acordo com a Nielsen, os preços estão 5,8% maiores. Parte se explica pelo fechamento de algumas plantas industriais e pelos aumentos de custos de produção e de transporte, seja pelos cuidados necessários, seja pelo final de algumas linhas aéreas, em função da pandemia. Empresas já pensam em mudar os mix de embalagens, entre outras estratégias. Há também crescimento das marcas próprias do varejo e produtos substitutos mais baratos, além de mais produtos frescos.

Na economia brasileira também se acumulam as más notícias. O Banco Central estima agora a retração do PIB em 6,4%. O último boletim Focus do BACEN (26 de junho) revela expectativa de fechamento do IPCA em 1,63% para este ano e 3,0% em 2021. O PIB deve cair 6,54% em 2020 e crescer 3,5% em 2021, enquanto que, para os respectivos anos, a meta da Selic deve encerrar em 2,0% e 3,0%. Para o câmbio, o mercado espera R$ 5,20 no fechamento deste ano e R$ 5,00 no próximo. No momento do fechamento desta coluna a taxa cambial estava em 1US$ = R$ 5,28. Minha aposta é que em dezembro teremos algo próximo a US$ 1 = R$ 4,70.

 No agro, os destaques são para 9º boletim da safra da Conab, que estima uma produção de grãos de 250,5 milhões de toneladas, 3,5% a mais que no ciclo anterior, confirmando potencial recorde. Já a área plantada deve crescer 3,6%, atingindo 65,6 milhões de hectares. A produção de pluma de algodão está estimada em 2,89 milhões de toneladas, incremento de 3,9% frente a safra anterior. A colheita de milho primeira safra está praticamente encerrada, com produção de 25,4 milhões de toneladas, ligeiramente inferior à passada (-0,8%), mas a segunda safra deve compensar, crescendo 1,4% e produzindo 74,2 milhões de toneladas. Para a soja há expectativa de safra recorde de 120,4 milhões de toneladas. Culturas de inverno estão em plena operação de plantio, com estimativa de crescimento de 5,5% em sua área.

Em maio, as exportações do agronegócio atingiram novo recorde para o mês, com montante de US$ 10,93 bilhões, valor 17,9% superior ao do ano passado, de acordo com o MAPA. As exportações do agro representaram 60,9% de tudo que o país vendeu. Novamente o destaque é para o complexo soja, com US$ 5,88 bilhões, o que representa 54% dos produtos agro. Em segundo lugar, as carnes exportaram US$ 1,58 bilhão (+11,5%) graças à carne bovina com valor de US$ 780 milhões (+35,0%) e carne suína com US$ 266 milhões (+57,3%). Dentre outras categorias, produtos florestais exportaram US$ 1,04 bilhão (-23,7%) e café US$ 519 milhões (+17,7%). Já as importações diminuíram 29,3%, totalizando US$ 835,78 milhões, deixando o saldo do agro em US$ 10,1 bilhões.

Estima-se que os produtores brasileiros de soja já tenham vendido 90% da produção dessa safra e 40% da safra 2020/21, aproveitando a moeda desvalorizada. Bom para planejar e travar também os insumos.

Último relatório do USDA sobre a safra 2020/21 aumentou os estoques mundiais de algodão em 5,3%, reduzindo em 0,5% os de milho e em 2,1% os de soja. Com isto a relação estoques/uso de algodão sobe de 85,4% para 91,5%, a da soja cai de 27,3% para 26,6% e o de milho cai de 29,2% para 29%. São níveis altos, mas no caso da soja e algodão, um pouco menores do que na safra 2019/20. Divulgou a área de milho em 37,2 milhões de hectares, 5% menor. Já na soja a previsão foi de 33,9 milhões de hectares, cerca de 10% maior. Trouxe alguma variação positiva nos preços, mas foi um mês de relativa estabilidade.

Continuam boas as notícias de consumo no varejo do suco de laranja. Como nossa atual safra é sensivelmente menor (287,76 milhões de caixas de 40,8 quilos – 25,6% abaixo) este consumo adicional ajuda a abaixar novamente os estoques que cresceram com a safra anterior (387 milhões de caixas), saltando de 253 mil toneladas para 420 mil toneladas. Em maio, as vendas de suco de laranja no varejo dos EUA foram 23% maiores que no mesmo período do ano anterior. Seguem maiores, porém crescendo menos, uma vez que nos meses anteriores o crescimento havia sido de 30% e 50%, respectivamente. O suco de laranja também está com preços maiores em dólar, ao redor de 20%.

No café, o comparativo de junho com o ano anterior mostra preços 4% menores agora. O algodão em junho está com valores em média 10% menores que junho de 2019, em dólar.

O Plano Safra foi anunciado com recorde de R$ 236,3 bilhões em crédito. Creio que na situação atual foi um bom volume, e destaco fortalecimento do apoio à agricultura de menor dimensão, ao seguro rural, da irrigação, máquinas e aspectos ambientais. A taxa de juros poderia ser menor, mas nas atuais circunstâncias, entendem-se as dificuldades.

Segundo dados do IBGE levantados por reportagem do G1, praticamente 50% do que vem do campo brasileiro passa por cooperativas. São responsáveis por 75% do trigo, 55% do café, 53% do milho, 52% da soja, 46% do leite e 43% do feijão do Brasil. De acordo com a OCB, são 1.613 cooperativas no Brasil com aproximadamente 1 milhão de produtores e 71% de pequeno porte. Aproximadamente 210 mil empregos diretos e faturamento de R$ 200 bilhões por ano.

Enquanto cresce fortemente a pressão em cima das questões ambientais da produção brasileira, aumentam os subsídios aos agricultores no mundo. A OCDE analisou 54 países e chegou à conclusão que o aumento foi de US$ 708 bilhões por ano entre 2017 a 2019. Apoios que distorcem o mercado internacional e mantem ineficiência na agricultura. O jornalista Assis Moreira do Valor resumiu os apoios: no Brasil é de 1,7% da renda do produtor, na Noruega é de 59%, Coréia do Sul 48%, Japão 41% e na China 13,3%.

O Brasil recebeu uma carta assinada por 29 instituições financeiras de países como Noruega, Dinamarca, Holanda, Suécia, Reino Unido, França, Estados Unidos e Japão que têm gestão de algo próximo a US$ 4 trilhões. Nessa carta ressaltam seu compromisso com as questões de direitos humanos, aumento do desmatamento, regularização fundiária, brasileiros de origem indígena e requisitos de licenciamento ambiental. Creio que esse conteúdo precisa ser elegantemente respondido, elencando as ações que estão sendo feitas em cada uma dessas áreas, trazendo os números e convidando os fundos a acompanharem de perto a evolução. Também neste mês alguns anúncios de empresas parando de comprar produtos originados do Brasil de algumas empresas em virtude da dificuldade em rastrear toda a origem. Muita encrenca nesta área.

Apesar de toda a encrenca atual nesta área, temos que virar o jogo, pois a sustentabilidade é uma mina de ouro. Ou seja, de grande risco deve virar para grande oportunidade. O MAPA lançou o Plano de Investimento para Agricultura Sustentável, junto a Climate Bonds Initiative (CBI). A ideia é aumentar os chamados investimentos verdes, sendo a CBI importante certificadora. Estima-se que mais de US$ 100 bilhões por ano possam ser aplicados em projetos verdes, entre os quais os tradicionais que o Brasil vem fazendo, desde a integração lavoura-pecuária-floresta, o plantio direto, fixação de nitrogênio, uso de Bioinsumos, entre outros. Teremos muito dinheiro no mundo para projetos nesta área, desde o pagamento por serviços ambientais, financiamento de projetos, entre outros. Temos que aproveitar, agro e ambiente são irmãos gêmeos para o Brasil alcançar o posicionamento de fornecedor mundial de alimentos.

 

Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em julho são:

  • O avanço da flexibilização do isolamento social em cada país, os riscos de novas ondas de infecções e os consequentes impactos do coronavírus na economia mundial, trazendo impactos nas exportações do agronegócio e nos preços das commodities;
  • Da mesma forma, acompanhar a flexibilização no Brasil e seus impactos. O andamento dos problemas de contaminações nas unidades produtivas, nas operações logísticas, a governança política e a gestão da crise política instalada e seus efeitos no câmbio.
  • O comportamento do clima na safra dos EUA e na nossa safra de inverno;
  • China: seguir as notícias dos impactos das restrições colocadas às importações devido a alegações de possíveis contaminações em cargas de produtos pelo coronavírus;
  • A campanha contra o Brasil na questão ambiental e quais os impactos que isso pode trazer.

 

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Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio. Confira textos, vídeos e outros materiais no site doutoragro.com