Veja as tendências do agro para 2020

por | 22 abr 2017 | Notícias

Prof. Dr. Marcos Fava Neves – artigo sobre as tendências do agro em 2020

Começamos 2020 pensando que seria um dos melhores anos para a economia e os negócios no Brasil, com o alinhamento de fatores incomuns em nosso país: taxa de juros baixa, inflação controlada, câmbio favorável e confiança crescente.

Dois eventos macroambientais, portanto incontroláveis, surgiram e mudaram radicalmente o cenário imaginado. Uma guerra de preços no petróleo e a pandemia do coronavírus (COVID-19), sendo este de impactos diversos, muitos zeros maior que o primeiro.

Passamos por uma situação surreal, vista apenas anteriormente em filmes, de uma proposta de isolamento que vem afetando muito nossas vidas nas questões de saúde, econômicas, políticas e comportamentais.

Neste texto abordo mudanças comportamentais com significativos impactos no futuro. Faço escolhendo e analisando um conjunto de 10 palavras, para facilitar tanto a leitura como propiciar o entendimento de como cada uma pode afetar no futuro, o ambiente dos negócios.

Ressalto que é incrível este momento apoiado em pelo menos cinco dos preceitos que iluminaram o Arcadismo, movimento literário do Século XVIII.

As 10 tendências do agro em 2020

Digital

Empresas e pessoas entraram no digital de forma irreversível, e esta será cada vez mais a plataforma de vendas, de relacionamentos, de avaliação e de construção de valor. Obtiveram-se metas de cinco anos atingidas em 20 dias.

O “on-line” na aquisição de serviços, conteúdos e outros passará a ser o preponderante, e os espaços físicos terão que se adaptar a isto, onde se vivenciará redução na velocidade de crescimento de centros de compras e outras formas.

O digital também afeta fortemente a área de educação, que precisará rever o que é presencial e o que é digital, e todo este conteúdo gratuito servirá populações mais carentes, oferecendo acesso domiciliar.

Se conciliarmos os jovens que tudo dominam do digital com os idosos que quase tudo dominam de conceitos e sabedoria, teremos materiais sensacionais deste esforço em “dobradinha”.

Atendimentos digitais também vieram para ficar, como nas áreas médicas e de saúde em geral e as pessoas aprenderão a se acostumar com menos qualidade para poderem ver o que querem, principalmente nos grandes meios de comunicação, com as entradas diretas de entrevistados à partir de suas casas, aliás que gostoso “entrar dentro das casas das pessoas”.

Afetou também, de forma definitiva, a cultura e a entrega de entretenimento, e as “lives” que atraíram milhões em todos os sentidos (de engajamento, de público, de doações, de patrocínios) e que foram impulsionadas pelos cantores sertanejos no Brasil representando um fenômeno na história da difusão da arte.

Casa

Ficou evidente com o trabalho em casa que nas posições administrativas o que antes se julgava que não vingaria, funcionou e ainda com grande eficiência.

Será visto que aquele grande volume de voos, de viagens de carros para reuniões e outros, se reduzirão, pois todos se acostumaram às reuniões via plataformas de conexão, que funcionaram incrivelmente bem.

Empresas também perceberão que não precisam de tantas pessoas nas atividades administrativas, comerciais e de vendas, portanto acredito num “downsizing”. Redução da demanda por imóveis comerciais, downsizing de escritórios e de pessoas (overheads) e redução de necessidades de transporte.

E poderá voltar a crescer o segmento de turismo, pois agora que se está permanecendo mais tempo em casa, não viajando, a vontade de viajar com a família e não de ficar em casa no final de semana pode voltar. Esse fato pode valorizar o morar mais no campo, nos arredores, nos menores centros e menos nos grandes centros.

O viver em casa, ao lado da família, dos filhos acho que ressaltou nas pessoas um dos principais e mais conhecidos preceitos do Arcadismo, o “Carpe Diem”, aproveitar o dia, o presente, a realidade do momento. Contemplar, ou uma palavra que em espanhol se usa muito: desfrutar.

Simplicidade

Neste período em isolamento, boa parte das pessoas vem aproveitando do tempo domiciliar para reorganizar armários, estantes e outros compartimentos caseiros, materiais estão sendo doados, pois se percebeu não serem necessários.

Creio que uma vida de mais simplicidade se aproximou, com o questionamento “será que preciso disto?” sendo mais realizado daqui por diante. Isso traz impactos no consumo de muitos produtos. Daremos mais valor aos detalhes, às pequenas coisas, ao local, ao feito na minha região, ao meu bairro, à sabedoria vinda da simplicidade.

Na linha da simplificação, muitos aplicativos foram criados que permitirão grandes ganhos nos negócios, conectando ofertantes e demandantes de maneira simples e fácil, além disto, com simplicidade aderimos aos modelos de entregas (delivery), que explodiram neste período e, pelo jeito, vieram para ficar.

Os Árcades usavam o conceito da “Aurea Mediocritas”, dizendo que para se atingir a felicidade não seriam necessárias riquezas e posses.

Há o lado perverso deste comportamento, de um menor consumismo, pois ele é destruidor de postos de trabalho e contribuirá para aumentar o desemprego no mundo, e aqui teremos que ser criativos para pensar em formas de trabalho e renda mínima, formas de inclusão sustentável de pessoas.

Engajamento

Este período de reflexão fez as pessoas aumentarem suas ações sociais, sua vontade de se engajar em causas, conectadas pelas mais diversas formas e este movimento creio que se estabelecerá.

Causas, principalmente sociais, terão mais adeptos, e uma vontade de trabalhar com o desafio comum aumentará muito.

Aumentarão a solidariedade, a doação para avaliações “on-line”, orientações e recomendações gratuitas a outras pessoas, participação em “clubes” e outras formas de engajamento.

Neste cenário surgirá um protagonismo social muito maior das empresas e nas pessoas, pensando nos menos favorecidos.

Neo-Coletivismo:

Na linha do engajamento citado anteriormente, creio que um novo comportamento pró-coletivo deverá ganhar força, e com isto os modelos cooperativistas e associativistas encontrarão significativo espaço e, ainda, se beneficiarão da possibilidade de comunicação digital com suas bases de associados.

Mecanismos de “crowd-funding”, criação das comunidades e outras formas de se fazer os pequenos se tornarem grandes. Menos “eu” e mais o “nós”, mais o “ser” e menos o “ter”.

Neo-Nacionalismo:

Uma volta da valorização por consumidores, daquilo que é produzido no país e Governos tentarão ver que insumos fundamentais poderão ser elaborados internamente visando a redução da dependência internacional.

Haverá uma priorização maior da pesquisa, desenvolvimento e inovação visando a fabricação local. Valorização do “made in Brazil”, do turismo no país e outros.

Nasce uma nova percepção de soberania no mundo, e o Brasil tem como ser protagonista no fornecimento seguro e ambientalmente limpo de alimentos ao planeta.

Infotoxicação

Neste período de isolamento, as pessoas foram submetidas à um volume brutal de informações, com redes de mídias e TV 24 horas dedicadas ao mesmo assunto, as tradicionais matérias negativas sobrepondo em muito às positivas, grupos enlouquecidos de WhatsApp e outras formas que provocaram o pânico  e exigindo em muitos casos tratamentos das cabeças, mas por sua vez, também trouxeram, para parte da população, o “aprendizado de filtro”.

Às suas maneiras, pessoas ficaram mais treinadas para selecionar o que é relevante, verificar as fontes e ajustar o volume de informações à sua capacidade de tolerância. Alguns precisarão de ajuda, e estas profissões, como a Psicologia, ganharão espaço.

Os Árcades se inspiravam no conceito de “Inutilia Truncat” ou seja, excluir o inútil.

Monitoramento

Os sistemas digitais aliados às necessidades de saúde farão com que as pessoas tolerem e ter-se-á um crescimento de monitoramento de comportamentos, deslocamentos e outros.

Creio também que isto trará um enorme impacto nas questões de segurança pública, devendo reduzir propensão ao crime e outras atividades, pois os rastros estarão evidentes e à disposição das autoridades.

Uma nova fase de transparência se aproxima, onde a sociedade civil poderá, digitalmente, acompanhar todos os processos que envolvem o Estado e suas compras, fazer comparações, avaliações e outros.

Sanidade

Em meu julgamento, esta será outra mudança comportamental. Muito conhecimento, entre outros, sobre saúde, higiene, limpeza, contaminações tem sido compartilhado, e parte deste ficará com a população, após a crise.

Trará também muitos impactos. Haverá uma valorização da pesquisa na área da infraestrutura e do acesso das pessoas à saúde e aos seus procedimentos, e o Estado terá papel fundamental nesta área para investir e garantir a todos.

Natureza

Neste momento, a natureza e o meio ambiente vêm ganhando maior espaço.

A valorização dos seus detalhes, de suas espécies, de nascer e do por do sol, sua preservação, da noção do quão poluidor é o ser humano urbano e seu modo anterior de vida, trazem a lembrança, segundo Árcades, dois preceitos: o “Fugere Urbem” e o “Locus Amoenus” que pregavam a vida mais afeita ao campo, ao bucólico, à natureza. A natureza ganhará com o tempo que sobrará para maior contemplação e valorização de sua existência.

Estas são as 10 palavras selecionadas para tentar traduzir mudanças comportamentais advindas deste período de isolamento, quarentena e reflexões pessoais.

Esta reflexão pessoal, com certeza não será unanime, alimentará controvérsias e contestações, porém, é um exercício sobre o que pode ser um futuro próximo, não para toda a população, mas para parte dela, e também não sei por quanto tempo, sendo meu modo de sentir e projetar o advento de um novo tempo.

O interessante agora é um exercício em cada uma delas para entender como estas mudanças afetarão os negócios, trazendo uma nova configuração. Em tempos de reinvenção, fica minha contribuição para as ações e para as melhorias esperadas.

Marcos Fava Neves é Professor Titular nas Escolas de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo (www.doutoragro.com).

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